“O medo de não ser compreendido e fazer o tratamento errado ainda é algo que faz com o que surdo já chegue à unidade de saúde com um quadro evoluído”, afirma Júnior Ramos, enfermeiro, que se comunica através da Língua Brasileira de Sinais (Libras). A curiosidade pela língua surgiu após conviver com a namorada de um amigo, que é surda. Mas foi no curso de enfermagem que surgiu o interesse em se aprofundar na língua, ao perceber “a deficiência no atendimento ao paciente com surdez e a extrema necessidade de levar um tratamento humanizado para este público”. Atualmente ele faz pós-graduação em Urgência, Emergência e UTI, e sua Tese de Conclusão de Curso (TCC) tem como foco o atendimento de enfermagem ao paciente com surdez.
“Observei o quanto o nosso atendimento em saúde era deficiente, por não ter a presença de um profissional de enfermagem capacitado para se comunicar através da Libras”, expõe o enfermeiro. Ele afirma que o paciente fica limitado apenas à descrição dos sintomas que quer relatar. E o faz por meio da escrita ou gestos. “A má compreensão das informações dificulta o desenvolvimento de um plano de cuidado específico para o caso desse paciente em questão”, explica.
Em relatos ao OP9, pacientes surdos afirmaram muitas vezes desistir das consultas porque se angustiam ao verem que não estão sendo compreendidos. Há aqueles que nem chegam a ir ao consultório e há aqueles que desistem já estando frente a frente com o profissional da saúde. Quando decidem permanecer nas consultas e realizações de exames, algumas das maneiras encontradas são as gesticulações, a comunicação por escrita ou a companhia de algum conhecido. Nenhuma das alternativas são consideradas apropriadas por eles. O ideal é que os profissionais da saúde saibam a língua de sinais.
O enfermeiro Júnior Ramos lembrou de uma situação presenciada por ele mesmo. Ele conta que um casal chegou a uma unidade de atendimento com muita tosse. O homem entrou na sala onde Júnior estava, mas a mulher permaneceu fora. “Ela também relatava sintomas, mas não quis entrar porque não sabia que uma pessoa dentro da sala entendia e falava em Libras”, conta. No relato do homem doente, ele contou que tossia muito e já tinha ido há alguns meses na mesma unidade de saúde e na vez anterior o médico passou apenas um xarope e o mandou embora junto com a esposa.
“Ele falou que a tosse persistiu e que estava se sentindo muito cansado, com dores fortes na garganta de tanto tossir, além de que havia bastante secreção, que causavam dores de cabeça devido ao esforço”, discorre da história o enfermeiro. Ele continua dizendo que a mulher se negava a entrar no consultório.
“Ela achava que ninguém a entenderia novamente e que ela não iria melhorar do problema também, foi quando o homem foi informar para ela que tinha alguém na sala que falava em Libras, ela entrou ainda meio desconfiada e logo ao cumprimentá-la com um ‘boa tarde’, ela me abriu um sorriso enorme e desandou a falar em Libras”, complementa. Ao final da consulta, o enfermeiro constatou que casal estava com suspeita de tuberculose. “Realizamos o atendimento e cadastramos o casal para realizar o teste de escarro”.
Sobre este momento, o enfermeiro afirmou que “foi triste saber que ela não queria entrar no consultório por medo de receber uma receita com outra medicação que não iria ajudar para o tratamento real que eles necessitavam ou, ainda pior, não teriam empatia no atendimento”, continua.

Tese de pós-graduação aborda dificuldades com este público
Com o tema “Dificuldade enfrentada por profissionais da saúde na comunicação em situação de urgência e emergência com pacientes surdos”, Júnior Ramos quer identificar e descrever as dificuldades enfrentadas pelos profissionais da saúde ao ter que prestar socorro nestas situações, devido à dificuldade na comunicação durante o atendimento de rotina. Seu trabalho está estruturado em três partes: “A equipe de enfermagem e o cuidado prestado ao paciente portador de surdez em situação de Urgência e Emergência”; “Dificuldades enfrentadas pelos profissionais da saúde na assistência ao paciente surdo”; e “A Língua Brasileira de Sinais como ferramenta essencial na comunicação com paciente portador de surdez”.
“Na vivência prática observamos que são raros os profissionais da saúde que têm conhecimento sobre a língua brasileira de sinais. Aqueles que se comunicam em Libras são realmente um achado”, diz o enfermeiro. O OP9 entrou em contato com os principais hospitais da rede pública de Alagoas e constatou que o serviço adaptado para os pacientes com surdez é deficiente ou não existe. O que há de serviço para este público será tratado na última reportagem da série, que será publicada na quarta-feira (26).
A ausência de comunicação não só causa o agravamento do quadro de saúde como também afeta a autonomia do paciente e causa constrangimento e angústia. Quem pode, paga por intérprete, mas nem todos conseguem um profissional para acompanhá-los nas consultas. “Isso dificulta na prestação de uma assistência humanizada e com foco na atenção à saúde do paciente. Infelizmente nem todos chegam acompanhados por interpretes e quando vão buscar auxilio saúde é porque já estão realmente sem suportar mais a dor ou qualquer outro sintoma”, finaliza o enfermeiro.